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Rigor & Rigidez

04/04/2024

175

Como preâmbulo para estar desenterrando algo escrito há tanto tempo e postado sob número 23, esclareço que estava assistindo à aula magna comemorativa dos 10 anos do Instituto Santos Dumont, com seu criador Miguel Nicolelis, quando ele falou sobre rigidez e me transportou ao passado.

Considero valioso tudo o que emergiu do seu trabalho e que hoje se comemora. Assim, trago o link no YouTube para todos: https://www.youtube.com/live/N7ZGwr0BND4?si=w3B8DOOMkwsB_p9J

E, dando a César o que é de César, mais vale assistir ao vídeo do que ler o que segue abaixo, sem destrato para o que escrevo, senão não postaria e muito menos reapresentaria sob número 175.

Defendi muitas vezes que eu sou rigorosa, mas não rígida. E explicava sempre: ser rigoroso é tratar as coisas ordinárias como ordinárias e as extraordinárias como extraordinárias, enquanto ser rígido é tratar tanto as coisas ordinárias quanto as extraordinárias como ordinárias. E, como eu realmente distingo umas das outras e trato-as diferentemente, sempre me vi como rigorosa, mas não rígida.

No entanto, sei que não é bem assim que me vêem. E penso que preciso articular  outro elemento ao que digo para tornar mais claro o meu ponto de vista sobre a questão que muitos confundem, ao meu ver.

Lá vou eu de novo mergulhar no nosso passado colonial com a herança nefasta do patrimonialismo português de então. É que nós tendemos sempre a dividir o mundo entre “eu” e “eles” quando estamos a falar de comportamentos impróprios: “eles” agem erradamente. Mas, quando chega a nossa vez… tudo muda de figura! O mesmo comportamento que eu avaliei nos outros como inadequado, errado, indesejável, etc., passa a contar com minha condescendência e total justificativa quando é meu. De certa forma, poderíamos extrair daí a tendência também de delegarmos aos outros – “eles” – as experiências ordinárias e a nós mesmos – “eu” – as experiências “extraordinárias”, ainda quando não o são.

Foi bem assim que aconteceu comigo e uma amiga quando fomos uma vez a Recife para eu comprar uns móveis. Íamos de ônibus e, ao chegar à rodoviária, notei que não tinha levado nenhum documento meu, esquecera tudo em casa. Só estava com a carteira de dinheiro e o cartão Visa. Ainda tentei voltar de táxi para apanhar, quando vi que não daria tempo. Aí pedi ao motorista que me levasse de volta, pois pelo celular minha amiga tinha me dito que havia falado com o funcionário e eu poderia entrar no ônibus. Não havia uma certeza, mas valia a pena arriscar, já que perderia o ônibus de qualquer jeito. Fui e, de fato, consegui viajar. Mas, trago isso aqui porque tem relação com a questão da diferença entre situação ordinária e extraordinária.

Minha amiga, solidária comigo e tentando me ajudar a resolver a questão, argumentou que, evidentemente, o funcionário me deixaria subir ao ônibus, pois tinha sido um fato extraordinário eu ter esquecido meus documentos. Ela estava me defendendo valorosamente e, mesmo assim, eu tive de lhe responder que não via assim, que eu estava numa situação absolutamente ordinária em que não tinha nenhuma razão excepcional para me livrar das conseqüências da minha distração. Se eu conseguisse viajar, ótimo, se não conseguisse, não teria do que reclamar.

Agora volto à comparação entre rigor e rigidez.

Ser rigorosa para mim só faz sentido se isso se aplicar inclusive à minha pessoa. Mas, sei que isso não faz de mim uma pessoa que não comete transgressões, em absoluto (penso que esse é um aspecto que não fica muito evidente para as pessoas). Fui e voltei de Recife sem um documento que dissesse se eu tinha 15 ou 80 anos, comprei passagem de volta e paguei os móveis com cartão Visa (este tinha escapado da minha leseira) sem um RG em mãos, tudo isso porque no Brasil temos facilidade para infringir as regras e as normas. Fiquei grata à minha amiga por todo o apoio que me deu e por ter tentado me confortar pelo transtorno causado pela minha desatenção. Entretanto, sendo rigorosa, eu teria de me avaliar imparcialmente. Se eu fosse barrada, não era o funcionário que estaria errado, e sim, eu.

O rigor não tem a pretensão de impedir o erro em pessoas rigorosas, apenas as faz ver o erro como erro.

Já Rigidez… fica para outra vez.

Data da postagem: 24.03.24

Data original: 03.03.2012

Dia a dia … ou… Arte no gerúndio: Vivendo

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