Posts Tagged ‘Sociedade de consumo’

No mundo dos excessos

24/03/2024

174

De certa forma, o processo natural da vida conta com uma sabedoria própria. A gente vai estranhando as mudanças, que acarretam o que para nós representa perdas de qualidade, e se sente menos pesarosa de ir abandonando o barco da vida aos poucos. 

E se isso sempre foi, em certo sentido, batizado de choque de gerações, há cada vez maior celeridade no estranhamento por parte dos mais velhos, dada a velocidade das mudanças em todos os campos da vida humana. 

Vivemos num mundo em que há excesso em todos os seus elementos. Da produção de objetos ao alucinante avanço da IA, da oferta ilimitada de lazer programado às inumeráveis mensagens nas redes sociais sobre tudo e todos, viver inclui, atualmente, uma excessiva dose de escolhas que nos põe frente aos conflitos – com seus efeitos sofridos da perda do não escolhido – teorizados por Kurt Lewin: aproximação & aproximação: aproximação & esquiva; esquiva & esquiva.

Se escolher hoje nos impõe, muitas vezes, uma alta dose de cansaço por esse excesso de elementos ofertados, no que se inclui a grande variedade do quêondequantopor quê, etc. que está em jogo para qualquer área de escolha a ser feita, temos, ao mesmo tempo, a revitalização da oferta e do consumo pelo processo de avaliação requerida para absolutamente tudo o que se faz hoje em dia. 

E aqui eu passo a dizer, especificamente, de mim na questão: vi-me explicando ao garçom que solicitou uma avaliação do serviço, sorrindo e tentando ser delicada – e, graças a Deus, contando com um sorriso compreensivo de volta – que eu tinha sido professora e passado muito tempo da minha vida avaliando os alunos, e que estava exausta de agora ter que avaliar tudo, a todo momento em que me mexo nesse mundo atual. Compras, serviços, tudo solicita avaliação pela internet de alguma forma e até presencialmente como era o caso ali. Emails, whatsapp e assim vai… Se formos atender à demanda, usaremos excessivamente o nosso precioso tempo – o mais valioso patrimônio – para que esse excesso de oferta tenha o escoamento desejado. Não apenas os produtores receberão o feedback, mas, e talvez até seja o maior objetivo, os consumidores serão guiados indiretamente para aumentarem seu consumo. 

E não é que não considere avaliações construtivas muito úteis, assim como sempre defendi a avaliação do conhecimento na relação ensino/aprendizagem, por mais sujeita à imperfeição que esteja.

Se havia algo na área do meu trabalho de professora que eu não gostava de fazer, era avaliar. E, no entanto, por reconhecer sua importância e valor, investi com dedicação e esforço muitas e muitas horas de trabalho nessa tarefa, mais delicada ainda quando se trabalha na área das ciências humanas. Finais de semana corrigindo provas e trabalhos, horários noturnos nessa atividade consumiram muito do meu tempo, invadindo inclusive o de vida pessoal.

Também reconheço o peso positivo de uma avaliação, seja para um serviço prestado, seja para um objeto adquirido. No entanto, acredito que nossa sociedade de consumo desvirtuou o processo. Não é o aprimoramento de qualidade que está, em si mesmo, como meta. Além do uso indevido do tempo de vida das pessoas pelo excesso de solicitações de avaliação do que foi consumido, tudo tem por objetivo final o consumo de um produto, alimentado de forma sutil por todos esses mecanismos de apropriação do tempo de vida do ser humano, assim desumanizado. 

Data da postagem: 24.03.24

Dia a dia … ou… Arte no gerúndio: Vivendo

https://imparidade.wordpress.com/tbt-posts-e-paginas-do-imparidade-com-links