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Viver, simplesmente… em qualquer idade*

15/04/2023

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Denise Dantas – Profa. UFRN

Há muito tempo atrás, ganhei de uma amiga um livro sobre uma comunidade primitiva nas ilhas polinésias. Mais precisamente sobre as reflexões do seu líder a respeito do homem branco. Tendo sido construída uma amizade entre ele e o estudioso europeu que procurava compreender a visão de mundo do seu povo, visitaram a Europa e, ao voltar, ele traduziu em palavras seu sentimento de admiração e perplexidade pelo que tinha observado.

Como leitora, tive o meu momento de surpresa ao me deparar com uma forma simples e, ao mesmo tempo, extremamente rica de se viver e pensar a vida. Principalmente, porque havia aspectos realmente inusitados para mim, como é o caso de sua análise sobre a forma como nós ocidentais, representados pela comunidade visitada por ele, lidamos com o tempo. Seguindo sua exposição, dei-me conta de coisas obviamente simples que, no entanto, nunca haviam sido pensadas antes por mim. Nós dividimos o tempo em pedacinhos e vivemos obcecados em acompanhar a sua marcação. Nós criamos o relógio e, com isso, registramos o já vivido. Ficamos, assim, mais ligados à lembrança do que está perdido. E, principalmente, tornamo-nos cônscios de um porvir cada vez mais reduzido. Contar os anos de vida, para ele, era uma forma perigosa de se saber quantas luas dura a vida das pessoas em geral e, com isso, tomar consciência da proximidade da morte. E, com isso, de certa forma, morrer.

Sem me dar conta, ao pensar em escrever sobre a saúde na terceira idade, veio-me à lembrança essa leitura. Eu penso na terceira idade como mais um momento no percurso do desenvolvimento da pessoa, como parte de uma curva de vida. Se reconhecer as etapas do trajeto da pessoa em sua própria história traz, inevitavelmente, o uso das fases marcantes do seu desenvolvimento – infância, juventude, maturidade e velhice – é de fundamental importância que não estejamos aprisionados na valorização do que já se foi, do tempo vencido e registrado do que já passou. E, principalmente, é necessário que não pensemos na terceira idade como um período dissociado dos demais. A criança, o jovem, o adulto, o idoso e o velho não são pessoas diferentes entre si, são uma mesma pessoa que vive o magnífico fenômeno da permanência no fugaz, como disse Borges. Somos iguais e diferentes de nós mesmos a cada instante.

Assim, os idosos podem sentir-se tão vivos quanto se sentiam quando eram jovens ou na meia-idade. Ou até sentirem-se tão vivos como nunca se sentiram quando jovens. Não é característico de uma única fase da vida este sentimento que carrega o sentido de saúde do ponto de vista psíquico. Não existe ‘saúde na terceira idade’ quando falamos do ponto de vista do desenvolvimento emocional de alguém, dado que a saúde se configuraria em relação a outros fatores e não seria a etapa de vida que definiria a sua ocorrência ou não.

Mas, sem dúvida, há aspectos específicos da vida dos idosos que requerem uma atenção especial. De certa forma, reconhecemos que o mundo do idoso se torna menor com a idade. Ele circula menos, contata menos pessoas e desenvolve menos atividades por força mesmo dos limites físicos que vão surgindo. E se isso passa a acontecer de uma forma muito acentuada, é possível que leve o idoso a não portar o sentimento de estar vivo. Porque este sentimento, em todos nós, nasce em um mundo de relações, brota da existência, ou seja, ele precisa da relação eu-tu. Ao me ver no olhar do outro que me vê, existo. E vivo. Isto é a base do exercício da criatividade – a pessoa na posição ativa de sujeito – que é outra forma de se compreender a saúde psíquica.

Atividades que proporcionem a oportunidade de expressão, de efusão no mundo, podem criar o solo propício para que o idoso encontre na pluralidade o valor de sua existência individual: o contar estórias, o cantar e muitas outras atividades oferecem tais condições. Ouvir o outro de maneira a fazê-lo sentir-se existindo, atuar na função especular humana significa concorrer para que, ao SER, o outro possa explorar ludicamente sua capacidade de FAZER. E, assim, assegure uma saúde que se confirma no seu sentimento de estar vivo.

* Denise Dantas, Profa. de Psicologia/UFRN, faz Acompanhamento Vivencial no Espaço Solidário

13.12.2003

(texto elaborado a pedido de um jornal da comunidade)

Data da postagem: 15.04.2023

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