Um email para o Céu…

14/04/2023

165

Estou atrasada com o nosso correio, [Pe.] Sabino. Mas, não seria você alguém a condenar uma pessoa por seus atrasos, não é? A gente chegava a você e, do jeito que chegasse, havia sempre um coração aberto a nos esperar. Aberto às nossas falhas, aberto aos nossos erros, aberto aos nossos acertos, aberto às nossas alegrias, às nossas lutas, às nossas interrogações, aberto amorosamente ao ser humano em sua humanidade transida de imperfeições e perfeições… o divino e o demoníaco no humano não afastavam você de ninguém.

Mas, não posso mais adiar, pois há muito tempo escuto no meu pensamento “Um email para o Céu”…, “Um email para o Céu”…, “Um email para o Céu”… e sei que enquanto não enviar esta mensagem ela estará querendo romper a membrana que a isola dentro de mim.

Embora desta vez eu tenha de enviar um email, pois a telefonia cósmica não registrará o som das minhas palavras e eu quero que elas fiquem guardadas por não serem somente minhas, mas também suas, estou sentindo falta do telefone para desejar um Feliz Natal e ouvir você do outro lado da linha.

Em todos os Natais, desde que o conheci, havia o carinho de sua amizade. Saíamos com nossa amiga Dilma para a confraternização natalina desse micro-grupo que se identificava nas buscas de compreensão winnicottiana do ser complexo que é o homem e também em outros aspectos da visão de mundo. E sempre nos falávamos ao telefone no dia mesmo das comemorações que, para você, tinham o sentido espiritual-religioso e, para mim, mais o sentido espiritual-afetivo. Havia o Sabino amigo no Sabino padre.

Eu me lembro de sua primeira afirmação sobre o amor, tema da minha tese, quando o procurei através da intermediação de outra amiga, para que me ajudasse com alguns aspectos filosóficos do meu trabalho. Até lhe disse depois que quase não o tinha mais procurado, pois você falou bem incisivamente que todo amor termina em Deus e eu pensei se você teria como me ajudar, pois não era sobre esse tipo de amor que eu escrevia.

Mas, no tempo da construção de nossa amizade ficou muito claro o que tinha tentado dizer, pois você era amor na prática de sua vida. E isso integrava a sua fé.

Um amor que se espraiava, para além da religião, no solo da política, da filosofia, da ação social. Um amor que não o fazia magnânimo, por estar fundado na simetria da relação de igualdade tão preciosamente defendida por você para todos nós. Um amor que não o levava a ser protetor, mas que o fazia favorecer que as pessoas aprendessem a se defender das injustiças na vida, viessem de onde viessem. Um amor que insuflava forças ao seu corpo cansado e o levantava da cama a altas horas da noite quando algum dos idosos que estavam sob seus cuidados precisava de você, e um amor que o prendia aos corredores dos hospitais, a fazer companhia para aqueles que tinham o Espaço Solidário por casa. Um amor que o levava a acolher crianças falando e brincando durante suas missas, pois era a forma de suas famílias poderem estar na igreja. Um amor que o fazia rir das falas “sem sentido” de uma Chiquinha, que já vagava na demência senil sem perder o lugar de respeito a que todo ser humano tem direito na vida. Um amor que conseguia o mistério da multiplicação dos pães que só o amor realiza: expandir-se ao se dar.

[Pe.] Sabino, sinto muita falta de sua presença e percebo, paradoxalmente (lembra que Winnicott trabalhou essencialmente a partir de paradoxos?), que não há ausência daqueles que marcam nossas vidas.

21.12.06

Denise Dantas

Data da postagem: 14.04.2023

Dia a dia … ou… Arte no gerúndio: Vivendo

Visão Geral do Imparidade em:

https://imparidade.wordpress.com/tbt-posts-e-paginas-do-imparidade

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.