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É… Posso até gostar de ouvir isso. Afinal, às vezes esse modo de falar nos dá uma sensação de sermos singularmente interessantes… Mas, é sobre outra maneira de viver a imparidade que quero conversar. A que vem, não da força da singularidade, mas da força da pluralidade no nosso cotidiano.
A primeira vez em que me deparei com uma surpresa não digerida frente à condição singular faz uns cinco anos. Tinha resolvido ir a Recife num fim de semana, num daqueles momentos de ida ao exterior para uma expedição ao interior. Tudo esclarecido sobre o “pacote” oferecido no Quatro Rodas de Olinda, percebo que a agente de viagens está a fazer uma reserva para duas pessoas, sem que nem por um momento eu tivesse feito tal referência. Expliquei que ia sozinha e ela desculpou-se, dizendo que era o comum, isso das pessoas viajarem acompanhadas. Em seguida, logo em seguida, ela manda o rapaz da agência comprar as minhas duas passagens de ônibus… Isso para não falar no pessoal do hotel. E quando falo surpresa, quero apenas me referir ao momento inicial, logo seguido de uma teia sutil de urdiduras para a volta à normalidade.
E este ponto faz-me refletir sobre um ângulo da situação: a avenida pública será de fato utilizada pelos ímpares, pela maioria dos ímpares? O universo da imparidade será tão reduzido como o que se apresenta aos olhos? Ou o campo social do ímpar tende a ser o mundo privado, e privado na dupla acepção do termo – a intimidade passando a ser as margens do seu solo social por ver-se privado, mesmo que parcialmente, do convívio da avenida na sua condição de singularidade, face à estranheza que reveste a sua incursão pelo domínio do público?
Há importantes distinções a fazer quanto à singularidade respeitante ao seu gênero – masculino ou feminino, evidentemente. Mas, não são o que importa no momento. Pois que a imparidade oferece vivências semelhantes num espaço que é de confluência dos gêneros no humano. E, no mundo dos pares, o par é a situação de equilíbrio. O par ideal é o par-casal, mas também é aceitável outra base, a da amizade, em algumas circunstâncias. O inaceitável mesmo é a singularidade na imparidade. Por opção, subsunção ou submissão, constitua um par e saia por aí com direito a ingresso no espetáculo da vida. Nele, ou em agregados dele, o ímpar pode até se aninhar. Contudo, como o elétron a mais que ioniza um átomo, estará em equilíbrio instável, prestes a se deslocar para outra órbita. Por isso, cuidado… “Segure-se!”, “Mantenha o equilíbrio!”.
Não sei se me engano, mas tenho a impressão que são muitos os ímpares que não transpassam os seus umbrais nos fins-de-semana, simplesmente por estarem como ímpares. Ia pensando nisso na minha ida a Genipabu e Redinha, reconquista dos chãos da minha vida, quando gosto de oxigenar o espírito com as paisagens. Não tenho dados concretos, apenas conjeturas que podem ser desmanchadas por uma realidade não correspondente. Mas, ainda assim, com a admissão de um universo diminuto de ímpares, continuo a pensar na sua situação com a mesma linha de preocupação.
Confesso não ter nenhum desejo de fazer a apologia da imparidade. Não só a pluralidade é fundamental, mas, em muitos casos, a paridade é que é a essência, sem dúvida. Minhas divagações entram no espaço próprio do singular devido à posição compressora da sociedade sobre uma situação de vida que sofre a asfixia da normalização.
O ímpar, com sua singularidade sem par, voluntária ou involuntária face ao tipo de vivência, tem a possibilidade de viver o seu momento, que pode ser público ou privado.
E de o viver bem.
_ Ah! Esqueci de perguntar se você gostou daquela peça.
_ (…)
_ Qual? aquela que você teve a sorte de comprar o último bilhete.
_ (…)
_ ADOORRRRROOOOOOOOOOUUUUUUUUUU ?
Denise Dantas
06.05.90
Data atual: 11.04.2023
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Dia a dia … ou… Arte no gerúndio: Vivendo
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