Posts Tagged ‘Público & Privado’

Nem “Eu” nem “Nós”*

12/04/2023

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“Sou cidadão brasileiro”

Mas

        “Que país é este?”

Por que, com os escassos e precários bens públicos destinados à satisfação das várias necessidades coletivas  – educação, saúde, etc. –  muitos dos seus usuários adotam, no cotidiano das suas vidas, uma relação depredatória que se reverte contra eles próprios como parte dessa população já tão mal servida?

A interpretação desses comportamentos individuais em termos de processos psicológicos particulares aos indivíduos em questão, além de não ser muito esclarecedora, pode levar a conclusões distorcidas. Pois, não seria intrigante tantos brasileiros apresentarem “idiossincrasias generalizadas”? Além disso, estar-se-ia descurando da importância da construção social da pessoa  – em que se realiza o indivíduo-cidadão –  até mesmo no que se refere à aprendizagem de sentimentos e emoções.

A relação usuário & bem público constitui-se de forma ambígua. Uma maneira de destacar tal ambigüidade poderia ser distinguir o sentido do direito quanto ao uso para atendimento de uma necessidade, do sentido do dever quanto ao zelo pela preservação do que existe para servir à coletividade. Assim, sugerimos que a relação é vivenciada subjetivamente pelo usuário da seguinte forma:

Há uma cisão onde se presumiria uma conjugação: no exercício da cidadania, direitos e deveres são elementos necessariamente conjugados.

Ora, se na relação de direitos face ao bem público é freqüente a distorção tendo por base uma “privatização” do uso, quando se excede os limites que o caráter de coletivo do bem público por si só impõe, e se na relação de deveres é freqüente uma omissão a revelar um possível não reconhecimento do coletivo no qual se estaria inserido, cabe uma indagação:

Seria possível o “Nós” a partir do “Eu” não pensante, mero depositário de uma condição de cidadania débil e não construída social e politicamente no intercurso da sociedade com o Estado? E ainda, seria possível o “Eu” pensante sem que se exercitasse a participação no “Nós“?

Estes dois aspectos  – a existência do sujeito, individual e coletivo, e o sentido de coletivo como imprescindível ao entendimento do público –  não encontrariam respostas à luz de uma psicologia  desconectada de outros domínios do conhecimento, ao se buscar a compreensão do uso depredatório dos bens públicos. Haveria necessidade de que se aliasse às várias esferas do saber  – sociologia, antropologia, história,  política, etc. –  que tentam apreender a realidade social e humana, para que sua contribuição viesse a ser positiva.

A transformação da realidade caminhando pari passu com a transformação das idéias apresenta-se, no Brasil, sob a forma de um movimento inercial preso à herança do seu passado histórico. Outro ritmo requereria uma melodia cantada a muitas vozes, em uníssono:

“O que é de todos é nosso.”

Denise Dantas

*  Artigo publicado no “DN EDUCAÇÃO“, Ano I, Nº 001, Natal/RN, em 11 de agosto de 1992.

Data da postagem: 12.04.2023

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O que me faz real

12/03/2012

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O Grito, MUNCH

.

O que me faz real são os outros. Sem eles para confirmarem minha existência eu seria apenas uma potencialidade humana, mas não me realizaria, não me tornaria real como ser humano. Para mim, isso está claro.

No entanto, não está claro para mim o motivo da necessidade atual de termos as redes sociais como “o outro”, aquele que injetará realidade aos meus sentimentos e emoções pelos meus outros queridos: meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã, meu amigo, minha amiga, seres singulares com quem eu tenho laços de afeto. Pessoas com quem eu convivo diretamente e a quem eu dirijo mensagens indiretamente, pela internet, para expressar o meu bem querer, a minha admiração, o meu amor.

Antes de tudo, quero esclarecer que não sou contrária ao uso das redes sociais para nos colocarmos com contato com os outros, e até trocarmos eventuais expressões públicas de afeto, sejam amigos, sejam conhecidos, sejam até novas pessoas em nossas vidas.

O que estou pondo em questão, e muito mais como algo intrigante para mim do que como algo reprovável, é o uso da rede para dizer aos nossos outros que gostamos deles e os admiramos. Estamos dizendo a eles ou ao mundo? Por quê?

Na vida social, há pontos de inflexão que marcam mudanças significativas nas subjetividades dos indivíduos e me pergunto se é isso que estamos assistindo, também nessa área, pois sem dúvida alguma a internet revolucionou e propiciou o surgimento de novos comportamentos sociais.

Mas, será que para meus sentimentos adquirirem realidade eles precisarão, daqui para frente, ser publicizados dessa forma? Precisaremos de outroS para que o(a) outro(a) destinatário(a) dos meus afetos se sinta querido? Dessa imagem pública, criada pela expressão do que sinto, dependerei eu e os meus para sermos felizes?

E o que mais me preocupa: Estamos assistindo à desaparição do espaço íntimo constituinte do privado? Deixaremos a interlocução direta de lado? Desaprenderemos (ou deixaremos de aprender) a expressão direta do nosso bem querer?

Data da Postagem: 12 de Mar de 2012

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O interessante eu público

15/02/2012

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Max Jacob, MODIGLIANI

É intrigante como reservamos para o espaço público um eu verdadeiramente glamoroso, enquanto vamos despejando nosso eu cansativo, paradoxalmente, sobre as pessoas que mais gostamos e que escolhemos – ou mesmo não escolhemos, mas nos apegamos assim mesmo – para a convivência mais próxima.

Para onde foi aquela mulher interessante, capaz de conversar sobre assuntos variados, que nos prendem como imãs fortes por oxigenar nossos espíritos? E onde está aquele homem espirituoso, capaz de arrancar risadas e fazer leve o clima do encontro entre amigos que não compartilham o seu dia-a-dia?

Pelo menos, é isso que tenho observado muitas vezes ao longo da vida. Somos capazes de usar todos os recursos que sabemos estar na reserva do nosso charme para encantar aquelas pessoas a quem acabamos de conhecer e a quem desejamos causar uma boa imagem, mas vamos modelando os nossos companheiros de jornada para serem apenas esteios de nossas fragilidades e repositórios de nossos desencontros com a vida e as pessoas.

Espanta-me ouvir e ver pessoas da minha convivência diária – como devo, do mesmo jeito, espantá-las – em suas performances de sedução do outro ao serem apresentadas a uma nova pessoa ou ao encontrarem pessoas conhecidas, mas de contatos esporádicos.

De repente, são exibidas as riquezas do ser dessas pessoas: o humor, que sofreu um ocaso entre os seus parceiros da vida cotidiana, aparece lustrado e brilhante, fazendo-as extremamente atraentes, mas, além de tudo, alegres e brincalhonas; a inteligência se expressa em comentários argutos e ágeis; a criatividade transparece nas escolhas pessoais de temas de exploração da vida; a afetividade é vivida, nesse momento, apenas em seu pólo positivo; e assim vai.

Quem não passou um dia pela surpresa de ouvir alguém de fora do seu círculo diário se referir a alguém de dentro dele, e a quem você conhece intimamente, como uma pessoa muito alegre quando você praticamente só convive com seu lado depressivo? Quem não estranhou ouvir o comentário sobre o(a) amigo(a) acerca da sua força e tolerância com as agruras da vida, enquanto você só tem contato com suas queixas e lamentações?

Por que vamos nos tornando ranzinzas e econômicos com aqueles que dão sentido à nossa vida afetiva? Por que sonegamos o nosso eu interessante com o passar do tempo de convívio, aquele mesmo eu que cativou a amizade e o bem querer das pessoas a quem agora negamos a nossa melhor parte?

05.01.08

Data da Postagem: 15 de Fev de 2012

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